Pela sua clareza e objetividade, reproduzo abaixo artigo do professor Emir Sader que me foi passado no curso de pós graduação em
Gestão Estratégica em Políticas Públicas, ministrado pela Fundação Perseu Abramo em parceria com a PUC.
Capitalismo, o que é isso?
Crises
revelam a essência da irracionalidade do capitalismo: porque há excesso de
produção ou falta de consumo, destroem-se mercadorias e empregos, agudizando os
problemas.
Por Emir Sader
As duas referências mais importantes
para a compreensão do mundo contemporâneo são o capitalismo e o imperialismo.
A natureza das sociedades
contemporâneas é capitalista. Estão assentadas na separação entre o capital e a
força de trabalho, com aquela explorando a esta, para a acumulação de capital.
Isto é, os trabalhadores dispõem apenas de suacapacidade de trabalho,
produzir riqueza, sem os meios para poder materializá-la. Tem assim que se
submeter a vender sua força de trabalho aos que possuem esses meios – os
capitalistas -, que podem viver explorando o trabalho alheio e enriquecendo-se
com essa exploração.
Para que fosse possível, o capitalismo
precisou que os meios de produção –na sua origem, basicamente a terra – e a
força de trabalho, pudessem ser compradas e vendidas. Daí
a luta inicial pela transformação da terra em mercadoria, livrando-a do tipo de
propriedade feudal. E o fim da escravidão, para que a força de trabalho pudesse
ser comprada. Foram essas condições iniciais – junto com a exploração das
colônias – que constituíram o chamado processo de acumulação originária do
capitalismo, que gerou as condições que tornaram possível sua existência e sua
multiplicação a partir do processo de acumulação de capital.
O capitalismo busca a produção e a
comercialização de riquezas orientada pelo lucro e não pela necessidade das
pessoas. Isto é, o capitalista dirige seus investimentos não conforme o que as
pessoas precisam, o que falta na sociedade, mas pela busca do que dá mais
lucro.
O capitalista remunera o trabalhador pelo que ele
precisa para sobreviver – o mínimo indispensável à sobrevivência -, mas retira
da sua força de trabalho o que ele consegue, isto é, conforme sua
produtividade, que não está relacionada com o salário pago, que atende àquele
critério da reprodução simples da força de trabalho, para que o trabalhador
continue em condições de produzir riqueza para o capitalista. Vai se acumulando
assim um montante de riquezas não remuneradas pelo capitalista ao trabalhador –
que Marx chama de mais valia ou mais valor – e que vai permitindo ao
capitalista acumular riquezas – sob a forma de dinheiro ou de terras ou de
fábricas ou sob outra forma que lhe permite acumular cada vez mais capital -,
enquanto o trabalhador – que produz todas as riquezas que existem – apenas
sobrevive.
O capitalista acumula riqueza pelo que
o trabalhador produz e não é remunerado. Ela vem portanto do gasto no pagamento
de salários, que traz embutida a mais valia. Mas o capitalista, para produzir
riquezas, tem que investir também em outros itens, como fábricas, máquinas,
tecnologia entre outros. Este gasto tende a aumentar cada vez mais
proporcionalmente ao que ele gasta em salários, pelo peso que as máquinas e
tecnologias vão adquirindo cada vez mais, até para poder produzir em escala
cada vez mais ampla e diminuir relativamente o custo de cada produto. Assim, o
capitalista ganha na massa de produtos, porque em cada mercadoria produzida há
sempre proporcionalmente menos peso da força de trabalho e, portanto, da mais
valia – que é o que lhe permite acumular capital.
Por isso o capitalista está sempre
buscando ampliar sua produção, para ganhar na competição, pela escala de
produção e porque ganha na massa de mercadorias produzidas. Daí vem o caráter
sempre expansivo do capitalismo, seu dinamismo, mobilizado pela busca incessante
de lucros.
Mas essa tendência expansiva do
capitalismo não é linear, porque o que é produzido precisa ser consumido para
que o capitalista receba mais dinheiro e possa reinvestir uma parte, consumir
outra, e dar sequência ao processo de acumulação
de capital. Porém, como remunera os trabalhadores pelo mínimo indispensável à
sobrevivência, a produção tende a expandir-se mais do que a capacidade de consumo
da sociedade – concentrada nas camadas mais ricas, insuficiente para dar conta
do ritmo de expansão da produção.
Por isso o capitalismo tem nas crises –
de superprodução ou de subconsumo, como se queira chamá-las – um mecanismo
essencial. O desequilíbrio entre a oferta e a procura é a expressão, na
superfície, das contradições profundas do capitalismo, da sua incapacidade de
gerar demanda correspondente à expansão da oferta.
As crises revelam a essência da
irracionalidade do capitalismo: porque há excesso de produção ou falta de
consumo se destróem mercadorias e empregos, se fecham empresas, agudizando os
problemas. Até que o mercado “se depura”, derrotando os que competiam em piores
condições – tanto empresas, como trabalhadores – e se retoma o ciclo expansivo,
mesmo se de um patamar mais baixo, até que se reproduzam as contradições e se
chegue a uma nova crise.
Esses mecanismos ajudam a entender o
outro fenômeno central de referência no mundo contemporâneo – o Imperialismo.
Emir Sader, sociólogo e
cientista, mestre em filosofia política e doutor em ciência política pela USP –
Universidade de São Paulo