sábado, setembro 05, 2015

Obsceno



Obsceno
      Alcir Rodrigues de Oliveira
“Não vem não!”, diz ela.
“Tá véio demais pra bulir em mim.”
Eu insisto, prenda minha:
“uma bulida só, uma bulidinha
só pra arrepiar a bacurinha.”


Teu orgulho



Teu orgulho
 Alcir Rodrigues de Oliveira

Deixa teu orgulho,
Tua raiva, teu coração
Deixa teus olhos em minhas mãos;
Quero levá-los a passear
E mostrar-lhes em que ponto
Ficaste pelo caminho.

Não te preocupes,
Não estarás a sós
Multidões imensas também ficaram
E com elas, um País.

Não estranhe se me vir chorar
Não estranhe; é minha Nação.
Chorar... mais não posso fazer.

Brasileiros



A raça ariana, quando se considerava raça pura e superior, raciocinou que raças inferiores não tinham direito a viver. E assim se criou o nazismo que provocou a Segunda Guerra onde morreram 50 milhões de pessoas. Os nazistas passaram a perseguir e eliminar negros, homossexuais, deficientes, ciganos e, principalmente, judeus. Todo mundo sabe no que deu...

Na Argentina, os “porteños”, nascidos na província de Buenos Aires, se acham superiores a tudo e a todos. Discriminam argentinos que não seja da província. No Brasil, paulistas pensam que são melhores que todos os outros, desprezando principalmente os nordestinos. São neonazistas.

Aquele que discrimina uma pessoa revela mais sobre si mesmo do que sobre aquele a quem aponta o dedo. E quando se aponta um dedo para uma pessoa, é bom lembrar que, enquanto aponta um, há três dedos apontando para si mesmo. Um dia aprenderão que as carências de uma pessoa não diminui seus direitos. E que nordestinos são tão (ou mais) brasileiros que os paulistas. O fato de Estado de São Paulo ser mais desenvolvido e rico que os Estados do Nordeste não torna os paulistas superiores a ninguém em nada.

Novos nazistas, vocês não são bem-vindos. São pessoas com quem não quero amizade. Fiquem longe de mim. Sou paulista, mas se um dia São Paulo ou o sul inteiro se separar do resto do País, eu irei embora pro Nordeste. Afinal, quero viver junto aos brasileiros.

Rapadura do meu sertão

Rapadura do meu sertão
Alcir Rodrigues de Oliveira



Ilegal, delinquente, subversiva.
Vem com sua beleza invasiva
E me atira à sarjeta, ao léu,
Tu, nuvem branca do meu céu.

Paisagem? Criança bonita
Nem menina nem mulher
Fica matando seus piolhos
És colírio pros meus olhos.

Que sortilégio, que feitiço é esse?
Que me rodopia e transforma
O meu amor metido a besta
Em forrózinho da minha festa?

Santinha da minha oração
Assim vejo tua imagem
Porque a prece, todos sabem,
É inimiga da perfeição.

Nunca me faço rogado
Porque, pra estar ao teu lado
vou longe, vou à pé,
Talquinho do meu chulé;

Chega como quem não quer nada
Tasca seu olhar em mim
E rouba meu coração então
Rapadura do meu sertão,

Me encanta, me comove, me enfeitiça
E, sem aviso algum, meu fogo atiça
Arrasta minh’alma sem previsão
antiácido da minha indigestão,

Não acho rima pra essa imagem
Que te endeusa, te louva.
Mas vai assim mesmo... Tu és
O supositório da minha hemorróida.

Evoé, alma penada
Tranquila no mamilo?
De boa na lagoa,
Suave na nave?
Certinho no vidrinho?

Vai indo que eu não vou...



Bom dia, poetas velhos.
Me deixem na boca
o gosto dos versos
mais fortes que não farei.
Paulo Leminski









Estou



Estou
Alcir Rodrigues de Oliveira

Qual a dimensão da tua alma?
E a tonelagem do teu sonho?
Vai, mostra aí, quero ver tua carteira de cicatrizes...
Quantas garrafas de poesia por dia? Quantas?
E nuvens? Já experimentou? São saborosas.
 
Um abraço de criança? Bom, isso não tem preço, né?
Quanto tu sangraste em essência?
Caminhos? Conheces? Já viste um?

Y en las manos? Tienes trigo de lunes?
La luna me esta mirando; yo no se por que...

Olha o horizonte, fica lá que nem bobo...
rindo, olhando pra mim, bobo também.
Triste? Três doses de amizade por dia. É bom.
Triste de novo? Ria, ria bastante, ria de si mesmo,
ria de mim porque sou pobre, porque vou velho...

Feliz? Dá um pouquinho pra mim, dá?
Troco um pouquinho por essa lágrima aqui, ó.
e dou umas cicatrizes de gorjeta, trago muitas...

Tenho crédito de mentiras pra contar,
um dia gasto, escrevendo.

Fui até lá uma vez, fui correndo
mas o dia não estava, foi embora. Foi.
Eu estou cansado, eu estou muito cansado

Quero viajar pra bem longe, vou pra lá,
lá de onde nunca mais se volta.
Levo comigo meu olhar e meus cabelos brancos.
Deixo pegadas, deixo alguma esperança como herança,
deixo meu jeito desajeitado e minha chatice...
e minha mansidão bovina, insignificante.

Eu estou vendo teu rosto agora, eu estou...

Selvagens



Selvagens
Alcir Rodrigues de Oliveira

Palavras são cavalos selvagens,
Chucros, ariscos, arredios, escorregadios,
que nos fogem quando precisamos delas;
Todos alegam saber escrever, e sabem.
Todos contam boas histórias
Mas quando dizemos: agora escreva.
Aí o bicho pega.

Um texto tem que ser fluente,
livre como uma ventania,
como as águas do riacho no meio da mata
Nada pior que um texto rebuscado, artificial,
Onde fica evidente e visível o esforço por agradar.

As palavras são selvagens...
Aí entra na arena da página em branco,
munido de ferramentas misteriosas,
o escritor, o poeta,
como um peão de rodeio
para domá-las, discipliná-las e
fazê-las fluir.

Quando ganhou o Nobel de Literatura,
o poeta chileno Pablo Neruda
respondeu ao jornalista que perguntou:
- Neruda, é difícil escrever?
- Não. Você começa com maiúscula
e termina com ponto. No meio
coloca as ideias.