sexta-feira, novembro 24, 2006

Meus correspondentes estrangeiros

No início dos anos 80, sedento por leituras, tive acesso à revista "Cadernos do Terceiro Mundo", uma publicação de esquerda editada em vários países. Ali, na seção de cartas, peguei alguns endereços de estrangeiros e mandei correspondência. Nem imaginava em que cumbuca estava metendo a mão. Em algum tempo, já tinha correspondentes espalhados por vários países de língua portuguesa ou espanhola, além de outros, desde que se comunicassem nesses idiomas. Lembro-me de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau na África, Chile, Equador, Costa Rica, Porto Rico, Argentina e Perú nas Américas, mais Japão e Itália. Só respondia a cartas interessantes, não mais.
E contatei figuras ímpares. No Peru, por exemplo, mantive contato por anos com Júlio César Pantigoso Barreto, camarada de ultra-esquerda que começava e terminava seus manuscritos com vivas “à Revolução”, “à Liberdade dos Povos Latino-Americanos”, “ao Maoísmo”... Logo percebi: Júlio César, que me escrevia com endereço falso (já que eu possuía o verdadeiro) era integrante do Sendero Luminoso, grupo guerrilheiro de extrema-esquerda, liderado por Abimael Gúzman, hoje preso. Ele me colocou em contato com a jornalista norte-coreana Ri Mi Sun, que vivia num endereço que, se não me falha a memória, era mais ou menos assim: Shinjuku-ku, Hachiman Cho, Tókio, Japão (não estou seguro da grafia, mas a sonoridade é essa).
Ri Mi Sun falava coreano, japonês, inglês e espanhol. Por sua vez, ela me pôs em contato com o jornal Korea Popular, editado em espanhol, e mandou-me de presente de aniversário (após certificar-se de que eu era fumante), cigarros de vários países, postais lindíssimos da Coréia comunista e um isqueiro em forma de caneta banhado a ouro.
O peruano Júlio César me fez saber que havia um grupo de várias nacionalidades que formava uma corrente de correspondência espalhado pelo mundo. E inseriu-me nele. Todos tinham pensamentos de esquerda. Se um se calava, havia uma série de contatos preocupados para saber se alguém tivera contato com "sumido".
Da África vinham cartas com pedidos inusitados. Um angolano mandou-me uma carta nos seguintes termos: Caro amigo, minha casa foi bombardeada pelos boers (militares brancos descendentes de holandeses, da racista África do Sul) e perdi tudo. Peço sua ajuda. Mande-me, por favor dois pares de sapatos número 44, duas calças tamanho grande, duas camisas, um saco de arroz, outro de açúcar...
É mole? Moças pediam sandálias Melissa, mas que eu mandasse um pé antes e outro depois, senão roubavam nos correios de lá. E homens pediam fotos de brasileiras de fio dental na praia, revistas pornográficas e por aí em diante. Um angolano pediu um cartão postal da cidade de Gramado (RS) com neve! E outro disse gostar de informar-se sobre índios brasileiros. E citou as tribos Cheyennes, Comanches, Syoux...
A Costa Rica era o país onde eu mais tinha correspondentes. Comecei mandando cartas aos jornais La Nación e La Republica, pedindo contatos. Semanas depois o carteiro me entregou um pacote com mais de 150 cartas e disse: divirta-se! Tinha de tudo, principalmente crianças e adolescentes. Havia correntes de oração, uma cantora de bolero, a filha de um escritor, e evangélicos. De lá, um sujeito mandou-me uma foto sua na selva com guerrilheiros e camponeses, diante de uma bandeira vermelha e preta com a inscrição: FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional, Nicarágua).
Vieram da África algumas cartas em idioma que não consegui identificar. Não era inglês, francês, alemão, italiano... Fiquei sem saber. Na época eu sabia um pouco de espanhol, o suficiente para me corresponder sem passar grandes vergonhas. Essas pessoas me encheram de moedas de seus países, notas em papel, postais, selos e pequenos presentes. Com essas correspondências, aprendi na época que a moeda de Angola era o kwanza, de Moçambique era o metical e de algum país africano, o butut, da Zâmbia, eu acho.
Um dia me enchi e parei de responder às cartas, justo na época em que começavam a chegar cartas de Cuba...

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