terça-feira, maio 30, 2006

Crônicas suburbanas

Suburbano
A camada de pó cobre lentamente os meus pensamentos poucos, exercendo sobre mim essa catarse estranha. Caminho entre o lixo das ruas, desvio-me de buracos e poças, trafego sereno entre cães vadios, entre bêbados e mendigos nesse subúrbio das almas. A poeira fina vai cobrindo tudo, como num sinal dos tempos.
As ruas serpenteiam malígnas entre os casebres toscos. Crianças encardidas sorriem. A menina bonita traqueja nos calcanhares empoeirados, entre olhares e assovios dos marreteiros em calção e havaiana. Seus pés sujos me contam histórias.
A poeira vai se insinuando pelas frestas e vãos, acumulando-se. Tudo assume uma só e triste cor. A poeira me contamina, me desanima, me confina nessa desesperança, nessa desconfiança de que a coisa descambou, de que tudo vai mal. Esta cidade precisa urgentemente de um tratamento de choque pela poesia, de pontos brilhantes nas esquinas, asfaltos azulados, calçadas quadriculadas.
Esta cidade precisa de estímulos, de ícones, de dissonantes jazzísticas. Precisa ela é de domingos ensolarados, de uma liberada e colorida juventude que dance, colha flores, namore. Para despertar esta cidade não é preciso muito. Talvez uns sacolejos aqui e ali, quem sabe um banho de música, um forró danado de bom, uma grande chuva, daquelas de verão, quando o sol fica para brincar com as gotas grossas. Esta cidade precisa mesmo é de umas vassouradas vigorosas.

Francamente, Franco da Roça!
Franco da Roça, 62 anos de existência, quase cem bairros, população estimada em mais de cento e trinta mil almas famintas de comida, bebida, diversão e arte... Cidade nascida do amor da antiga Juquery e a velha e pernóstica inglesinha São Paulo Railway, por cujos trilhos trafegaram tantos sonhos e encoxadas - isso sem falar das árvores onde os bandeirantes fizeram xixi - fica aí, sorumbática e pasma, no meio dos morros, esperando o futuro, "esperando a sorte ou talvez o dia de voltar pro norte".
Franco da Roça, nem capital nem interior, mas periferia econômica e cultural - esse escuro cordão de brasileiros que, em busca de uma sobrevivência, se não digna, ao menos possível, amontoam-se em torno das grandes cidades, bem longe de sua terra natal. Se nas décadas de sessenta e setenta era celeiro de artistas, hoje está desfigurada, deteriorada, violentada em seu tédio modorrento mas, ainda assim amada por seus filhos.
Cercada de Mairiporãs, de Caieiras, de Moratos e Cajamares por todos os lados, nossa juquerina aldeia sobrevive aos trancos, arranhando aqui e ali umas lascas de cultura, de bons sons, de artes plásticas e artes plastificadas, de esportes radicais e/ou jovens radicalizados, inseguros no desespero da falta de perspectivas, de opção e de grana, no meio de uma puberdade confusa, na rebeldia sem causa e sem alvo definido, expressa no vandalismo predatório.
"Enquanto os homens exercem seus podres poderes" a cidade fica aí, estagnando a céu aberto, andando para trás e sonhando suas esperanças de um dia poder invadir o primeiro mundo por terra, mar e bar. E como a esperança é a única que morre, haveremos de sonhar, todos, até que a burrice nos torne mais provincianos... e iguais.

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