terça-feira, outubro 01, 2013

Minha música censurada

O regime militar acabou em 1985 no Brasil. Em 1982, o município de Caieiras promoveu um Festival Amador de Música Popular Brasileira, cujo bordão era “O Sagitário vai cantar”. Um festival amador de música agita uma cidade, atrai o interesse da juventude e revela artistas criadores. Compositores de várias cidades se inscrevem e trazem suas torcidas para animar ainda mais a festa.
As músicas inscritas são pré-selecionadas pela comissão organizadora ou pelos jurados, quando escolhem as melhores que irão participar das eliminatórias. As que não passam por essa primeira peneira, esse primeiro crivo, por serem muito ruins ou por não obedecerem o regulamento, são previamente eliminadas. As demais são agrupadas para serem apresentadas e avaliadas em duas ou três eliminatórias com acesso do público. As que passam por esse segundo crivo vão para a grande final.
Eu, animado por amigos, inscrevi uma música que havia acabado de compor, que denominei “Amazônia”. Não sou músico, mas toco um pouco de violão, o que me permitiu compor meia dúzia de músicas. Mas a que inscrevi não passou pela primeira peneira, sendo eliminada já na pré-seleção. Fiquei chateado, era uma bela música e com uma letra instigante. Paciência.
Poucas semanas depois de saber da desclassificação, encontrei um amigo de Franco da Rocha, com quem mantive um diálogo aproximadamente como se segue:
- Bela música a sua, a “Amazônia”, disse o amigo.
E eu:
- Mas, de onde você conhece a minha música?
- Eu trabalho na Prefeitura de Caieiras e estava na sala quando aconteceu a avaliação da sua música. Discutiram pra caramba, as opiniões se dividiram e houve discórdia aguda. Uns caras do Juri adoraram a música, outros a detestaram e falavam que era “coisa de comunista”, que não era bom deixar passar aquela letra, no que o Presidente do Juri concordou. Acabaram vencendo e sua música foi proibida, explicou o amigo.
- Proibida?, retruquei surpreso. Mas ela não foi desclassificada?
E o amigo.
- Não, ela foi proibida pela ala conservadora dos jurados, que era maioria... mas eu não te falei nada disso, tá bem?
O amigo, cujo nome não me lembro, temia ser demitido por ter me revelado a verdade. Por um lado eu fiquei furioso por ser vítima de tamanha imbecilidade. Por outro, orgulhoso por ter uma música proibida pela mentalidade repressiva que imperava na época. E assim foi.
Segue a letra para que você avalie se merecia mesmo ser proibida.


Amazônia
Letra e música: Alcir Rodrigues de Oliveira

Extravasar meu sorriso sem luz
Emancipar esse índio que mora em mim
Ele jamais, ele nunca, nunca mais
terá sua paz.

REFRÃO - Sacrificar ao progresso meus bem-te-vís,
multiexplorar meus posseiros qual no Jari

Fortes traços de guerreiro, serás o primeiro dos homens normais
Índio, olhos de criança, trazes nas entranhas gritos viscerais
Serás sempre um bandoleiro que agride primeiro - aos olhos da Funai
Expulsos de suas terras onde proliferam multinacionais... fatais.

REFRÃO

Quem te dera, ai!, quem te dera levantar a clava num grito de guerra
Quem te ama, oh!, quem te ama, Amazônia clama aos filhos naturais
Amazônia yanquee, floresta dos tanques, estrôncios letais
Nem o napalm convence que teus índios/filhos são uns animais... banais.

REFRÃO

Quem esboçar um motivo pra estar aqui
Quem suportar sem abrigo este porvir
Quem entender este canto dos Waimiris
Descobrirá que um deus virá, um deus virá...

Sacrificar ao progresso meus bem-te-vís,
multiexplorar meus posseiros qual no Jari.

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