sexta-feira, outubro 27, 2006

Eu não resisto!

Não vejo graça no alcoolismo, Deus me livre! Mas leio jornal em bar, sempre no mesmo bar. Antes, eram livros. Uns dizem que jornal é meu álibi para a cerveja, ou que leio sempre o mesmo jornal todo dia e que, por isso, não deixo verem a data pra não descobrirem. Dizem também que só troco de jornal quando as páginas amarelam. Outros falam que a cerveja é álibi para o jornal. Que, sem a “ breja”, eu não saberia ler. Que a mulher me expulsa de casa por este ou aquele motivo. Deixo as lendas correrem e crescerem, se distorcerem.
Mas o que eu odeio mesmo é quando chega um mal-conhecido de botequim acompanhado de desconhecidos de botequim, inchados de cachaça, e o conhecido berra para todos ouvirem, orgulhoso de ser meu amigo: Taí! Esse é meu amigo Alcir, jornalista e escritor!. Escritor, eu? Só publiquei um livrinho e, ainda assim, paguei a editora para publicá-lo!!! Fico envergonhado, gostaria de ter o dom da invisibilidade, de entrar embaixo da mesa e desaparecer. Mas suporto com bravura a inconveniência e aperto uma a uma as mãos grudentas de suor velho. Tento ser diplomático, finjo simpatia temperada de visível impaciência, desvio os olhos para as páginas do jornal aberto sobre a mesa como a anunciar certa urgência na leitura. Talvez percebam e saiam, talvez me deixem em paz.
Já requeri um biombo, mas o gerente do bar se limita a um sorriso. Então uso as páginas como aparelho seletor de presenças aceitáveis. Se inconveniente, ponho o dedo em algum ponto de uma coluna impressa enquanto cumprimento o recém-chegado. Se ele pergunta o porquê, digo que é pra não perder o ponto, que foi ali que interrompi a leitura com sua chegada. Isso já me criou situações embaraçosas, senão perigosas. – Tá me tirando?, disse um quase-amigo com cara de nenhum amigo, sorriso já recolhido. – Não, nada disso, imagine? É que a notícia é relevante demais para mim... Quase apanhei. Por garantia, passei a examinar o tamanho do sujeito antes de lançar mão do expediente.
Sou cliente VIP (Very Important Pingaiada). Há quem diga que faço parte do cenário. Que, se não estou, a clientela fica olhando em volta, tentando descobrir o que mudou, se há novidades, um vaso, uma nova iluminação. Mas não gosto da brincadeira do garçom, que vem espanando as mesas e, de passagem, me espana também, alegando engano em seguida. Não acho graça. Entretanto, o bar está lá, o jornal à mão, a cerveja gelada, o tempo sobrando disponível... Eu não resisto.

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu caro Alcir,
Esse é o barato da Internet. As pessoas conseguem publicar o que pensam e no meio disso tudo aparecem coisas bem legais. Parabéns. E você não tem mais nenhum exemplar dos "13 infernos", que só pela foto da capa já chama a atenção?
Abraço,

Marcos Imbrizi, jornalista