segunda-feira, outubro 16, 2006

Experiências

Quando a gente vai ficando velho... quero dizer, quando o sujeito acumula aniversários, ou tempo de estrada, fatalmente terá uma coleção de fatos, testemunhos, cenas vistas e experiências vividas que os jovens nem imaginam.
Quando eu trabalhei na polícia ferroviária (nos anos 70), vivi coisas inusitadas e até assustadoras. Em seis anos na RFFSA, atendi 17 atropelamentos... e atropelamento por trem não é coisa bonita de se ver. Os velhos ferroviários contavam histórias como: "O trem tira os sapatos do atropelado, sempre!". Quando ouvi, não acreditei. Mas, depois de atender tantas mortes, confirmei a lenda.
E também matei cachorros atropelados e condenados a morrer lentamente. Tinha que sacrificá-los. Não tinha coragem de virar as costas e deixar o animal agonizando por horas. Um dia, um funcionário da estação de Francisco Morato me levou até sua casa porque acreditava que seu cachorro, que sempre fora manso e estava muito agressivo agora, pegara raiva, e ele tinha filhos pequenos. Queria sacrificar o animal para preservar as crianças. Fui.
Na casa, todos se recolheram depois de me apontar onde o animal estava preso. As crianças estavam aos prantos, pois adoravam o cachorro. O cão estava na corrente em uma casinha baixa, de blocos, coberta com um pedaço de telha Brasilit. Rosnou com a minha aproximação. Ergui a telha devagar, com o revólver na mão. O cão me viu, ficou parado ante o cano da arma, olhos fixos em mim, rosnando. Olhei para ele por uns instantes... e guardei a arma.
O dono saiu, surpreso com minha atitude.
- Você não vai sacrificá-lo?
- Não, respondi. Não entendo de animais mas não acredito que ele esteja com a raiva. Deve estar nervoso com alguma coisa. Vamos esperar mais uns dias...
Pois não é que, dias depois, o homem veio me agradecer emocionado. O cachorro voltara ao normal e brincava com as crianças. Não estava doente, e os filhos estavam felizes. E eu fiquei feliz também. Valeu a sacada!

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